Tira, tira? Não, veste, veste
O texto a seguir foi publicado no SPFW Journal, que circula pela Bienal durante a semana de moda e tomo a liberdade de compartilhar por aqui. Com tanta roupa por perto, o texto fica ainda mais interessante.
Strip-tease ao contrário
por Xico Sá *
Você acorda e está diante do maior espetáculo da terra: a mulher no seu ritual de arrumação, o banho, o crema na perna levemente amparada sobre a poltrona, os cabides em forma das mesmas interrogações e dúvidas – com que roupa? – e aos poucos, peça a peça, me vejo diante da Anna Karina no auge da Nouvelle Vague.
Em muitas ocasiões, finjo até que estou dormindo, só para flagrar a beleza sem interferir no acontecimento. Dessa forma, ela se apresenta mais naturalmente e oferece melhores ângulos. Cena a cena, meu filme preferido, cinema na cama antes de pedir o café pra nós dois.
Porque uma mulher se vestindo é infinitamente mais elegante do que uma mulher tirando a roupa. Por mais que seja fina, há sempre um descuido ao despir-se, além da pressa inimiga, claro, nos momentos do sexo selvagem.
Seja um Yves Saint Laurent, um garimpo de brechó ou um vestido do magazine mais próximo, não importa, o que vale é o ritual, a combinação de cores, os detalhes, o quadro a quadro que constrói o figurino. Lindo e lento strip-tease ao contrário.
E o momento da maquiagem? Passo mal ao espiar ao longe. Sim, nada de acreditar nessa historinha de “você já é bonita com o que Deus lhe deu!” Dorival Caymmi, saravá meu pai!, é uma beleza de homem, mas pinte esse rosto que eu gosto e que é só seu. Com todos aqueles lápis que lhe fazem uma criança brincando de colorir o desejo.
Agora ela anda na casa, à procura do acessório perdido...Seus passos fazem música com os tacos, como é bom ouvir, excitado, aquele ritmo ainda embaixo dos lençóis.
Quando o destino é uma festa, o ritual não é menos nobre, mas ainda prefiro o preguiçoso espetáculo das manhãs – final das manhãs, digamos, porque madrugar ninguém merece.
E sempre rio baixinho do momento da dúvida na escolha do vestuário, quando você suspira, quando você solta o mesmo resmungo de todas as mulheres do mundo: não tenho roupa. Pode ser uma madame de alta classe ou uma jovem atriz que ainda trabalha de garçonete.
O importante é que você veste e aquele filme, cinemascope, passa como sonho o resto do dia na minha cabeça.
Aqui me despeço e deixo vocês com aquela canção lindamente brega do Roberto e do Erasmo: “Homem que tem sentimento/ briga por tudo que quer/ ama independente da moda/ macho mas não se incomoda/ de ser um doce com a sua mulher”.
* para Janaína, que virou fã primeiro do XS
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