De Ronaldo para Nara
Se você está acompanhando a temporada de verão 2008 do SPFW, já deve saber que o desfile de Ronaldo Fraga foi uma comoção geral. Tudo foi planejado, nos mínimos detalhes, para emocionar: o cenário, com barquinhos de papel pendurados, a iluminação que fez com que eles flutuassem e a voz macia de Fernanda Takai cantando ao vivo canções gravadas por Nara Leão, tema da coleção. Com a palavra, Ronaldo Fraga:
"Amada Nara,
Que falta você nos faz!
A mesma falta que anda nos fazendo a delicadeza, a autenticidade, a generosidade e até o inconformismo.
Falar em você é pensar em tudo isto.
Para muitos você foi apenas a musa da Bossa Nova. Quase 50 anos depois, a maioria ainda não sabe que além do banquinho e o violão, você carregou nas costas o morro (com cartola, Zé Kéti e Nelson Cavaquinho), a passeata dos 100 mil (com as canções de protesto), cachos de banana (com a fase tropicalista), um circo (com as músicas para crianças) e o que é melhor, se alguém ainda fizesse cara feia você mandava: "...e que tudo mais vá para o inferno".
Quando te escolhi como a "estória" desta coleção, sabia que muitas armadilhas estavam armadas. Afinal de contas quer coisa mais complexa que falar em simplicidade? Bom simplicidade em termos, porque não era pra qualquer uma usar aquele corte de cabelo, numa época em que a moda pedia cabelos armados com bombril e laquê; ou enquanto moças de família tocavam piano e acordeom, você tocava violão (instrumento da malandragem) com os famosos joelhos de fora. Curiosamente, neste mundo dominado pelo conformismo, ainda hoje se você entrasse por aquela porta, seria desconcertantemente moderna. Contudo, muitos me perguntas: como alguém discreta e tímida pode inspirar uma coleção de moda? Transitando por diferentes correntes, adiantando tendências, construindo um estilo e obra que rompeu com os limites entre o erudito e o popular. Tudo isto são valores muito caros à moda. No entanto, parece que, pra você sempre foi fácil demais navegar por essas ondas.
Nesta coleção tento ilustrar estas roupas com tudo que a sua trajetória me provoca. A fase Bossa Nova aparece na texturas das calçadas Portuguesas e no Barquinho a deslizar no profundo azul do mar. As canções de protesto estão nos barquinhos negros, na favela gigante, na notícia de jornal. A Nara tropicalista e sua auto-ironia surge nos álbuns abertos, nas figurinhas, no quadriculado da piscina, no patchwork colorido das sacolas de feira. Linda, confortável e, acredite, muito sensual. Esta forma se desdobra em vestidos, saias, blusas quadradas, e saias-calças. Nos tecidos, o algodão se encontra com a seda pura e brocados e lamê-de-baliza. Para colorir, branco, preto, gelo, rosa seco, laranja, lilás e azuis vários. E claro, o prata da roupa usada e eternizada na apresentação da "A Banda" no Festival da Canção de 66. Superfícies siliconadas _toalhas de mesa tropicalistas_ em diálogo com superfícies estonadas e foscas, bordados com espaguete de plástico de forrar cadeiras. Nos sapatos, o seu lindo fusca conversível.
Na verdade, esta coleção foi a grande desculpa para ler mais sobre você, ouvir todos os seus discos, e como disse no início, constatar a falta que você nos faz.
Com carinho,
Ronaldo Fraga"
* O texto foi distribuído à imprensa que assistiu ao desfile.
Um comentário:
a isabela capeto fez o release num guardanapo. o ronaldo deveria fazer num lenço de papel para os chorões da platéia
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